Friday 15 May 2009

ÉRAMOS FRUGIVORISTAS E COMO DEIXÁMOS DE SÊ-LO


Factor número um

No início da nossa evolução em direcção ao que viria a denominar-se homo sapiens, nós éramos vegetarianos. Vivíamos nas árvores e alimentávamo-nos de frutas e folhas, como ainda o fazem actualmente muitos dos nossos parentes primatas. Para comer, não precisávamos de trabalhar. Aliás, morávamos dentro de uma salada! Além disso, a vida era só comer, brincar, reproduzir, dormir, acordar, estender o braço e alcançar a refeição. Noutras palavras, estávamos no paraíso.

Na verdade, a Bíblia refere-se de forma inequívoca a esse Éden (Génesis, versículos 16 e 17). Fomos postos num jardim pleno de árvores frutíferas e podíamos comer de todas elas, menos de uma, a da Noção do Bem e do Mal. Comendo desta, ficaríamos impedidos de comer os frutos da Árvore da Vida.


Factor número dois

Tudo estava bem até que um belo dia fomos expulsos do paraíso por um incidente climático no qual as árvores escassearam. Assim, tivemos que descer para o chão. Acontece que nós éramos animais arborícolas e não terrícolas. No chão, as nossas pernas não serviam para grande coisa. De facto, até hoje, milhões de anos depois, continuamos incompetentes quanto ao caminhar sobre o solo.

Levamos mais de doze meses para aprender a andar, quando qualquer herbívoro irracional nasce, põe-se de pé e corre com apenas algumas horas de vida. Duas décadas depois, continuamos a tropeçar e a cair por tudo e por nada. Temos músculos enormes nas pernas e coxas, que nos ocupam uma considerável quantidade de sangue e energia, mas qualquer animalzinho dez vezes menor corre mais do que nós.

Perdendo o nosso habitat nas árvores e sem ter capacidade para correr no solo, ficamos à mercê dos predadores. Passámos a refugiar-nos nas cavernas. Imagina o trauma dessa espécie que estava acostumada a uma vida lúdica e sem preocupações, sempre a saltar e a brincar por entre os ramos verdejantes, o céu azul e os raios do sol, ser obrigada, quase que repentinamente, a viver no escuro e com medo dos predadores. Não foi ao acaso que o ser humano associou essas duas coisas e, para ele, a escuridão passou a ser sinónimo de medo.

Com a escassez dos tantos vegetais sobre a Terra, os nossos ancestrais foram compelidos a mudar a sua dieta. Passaram a comer o que houvesse. Tornaram-se colectores, apanhando uma castanha aqui, uma raiz ali e uma lesma acolá. Com fome, come-se qualquer coisa. O desespero da fome e de faltar alimento para a prole arraigou-se no nosso psiquismo de forma tão atroz que desenvolveu uma síndrome que carregamos até hoje e à qual denomino “síndrome do supermercado”. Ela impele-nos a ir colectando nas prateleiras mesmo aquilo de que não necessitamos, a fim de levar para a nossa toca, afinal, “pode vir a ser necessário”.


Factor número três

Se as nossas pernas são incompetentes, em compensação as nossas mãos são únicas.

Desenvolvemos a habilidade de segurar, pois, ao nascer, o filhote precisava contar com o instinto de se agarrar nos ramos da árvore e nos pelos da mãe, caso contrário cairia lá de cima. Até hoje os nossos recém-nascidos conservam esse reflexo, agarrando fortemente os dedos dos pais ou uma vareta que lhe seja posta nas mãos. Podemos mesmo levantar o bebé pela vareta, pois ele não a soltará e não cairá (Não tentes fazer esse teste em casa. Pede ao teu pediatra que o demonstre, se ele achar seguro).

Na verdade, nós não evoluímos como espécie graças ao desenvolvimento do cérebro e sim graças à oposição do polegar. Este permitiu que agarrássemos os objectos por puro instinto. Com isso, mais tarde iríamos tornar-nos homo instrumentalis, pouco diferentes dos símios que também usam instrumentos. A partir de então, teria ocorrido uma demanda neurológica que exigiu do cérebro o seu aprimoramento. Mas, antes disso...


Juntando os três factores

Juntando os três factores acima, o que nós temos é o seguinte panorama: um pithecus faminto, acocorado; um galho seco caído no chão ao seu lado; e um almoço a passar a correr.

Quantas vezes esta cena deve ter-se repetido ao longo de, digamos, cem mil anos? Numa dessas incontáveis vezes, por mero instinto de agarrar, o pithecus segurou o galho seco e usou-o como instrumento. Descobriu, surpreso, que aquilo ampliara a sua força, multiplicara a sua velocidade e alcançara mais longe, aonde os braços não chegavam. Pronto. O almoço estava espatifado e tinha-se inaugurado uma nova era: a do carnivorismo.


CARNIVORISMO

Agora, usando pedaços de pau, o primata bípede a caminho da evolução passou a abater pequenas presas, com as quais alimentou a sua família. A partir de então, foi rápido deduzir que, se amarrasse uma pedra na extremidade do pau, ele poderia abater animais maiores. Necessitamos apenas de algo como 50.000 anos. Bem, nós somos assim até hoje. Para mudar um paradigma precisamos de esperar que morram todos e mais algumas gerações. Contudo, um dia lá estávamos nós com machados e lanças de pedra lascada. Começara a destruição em massa da fauna e da flora. Nada mais deteria essa praga chamada bicho homem na sua investida contra a natureza.

A prática da caça estimulou algumas tribos a migrar atrás das manadas e, assim, muitos humanos tornaram-se nómadas e exploradores. Com isso, essa bactéria planetária espalhou-se por todo o globo.

No entanto, nós não fomos projectados para comer carnes. Animais vegetarianos quando comem carnes adoecem mais e morrem mais cedo. Não dispomos de sucos gástricos nem intestinos para processar carne. A maior demonstração de que não nascemos para caçar é a nossa virtual falta de ferramentas naturais para abater outro animal. Não temos garras, nem presas, nem veneno, nada.


Experiência científica

Há uma experiência muito convincente que costumo fazer na sala de aula e podes reproduzi-la na tua casa.

Material necessário: um ser humano e uma vaca. Coloca o ser humano diante da vaca. Pede que o ser humano mate a vaca com os recursos que a natureza lhe dotou, ou seja, a sua força, as suas mãos, os seus dentes, etc. O ser humano vai tentar por todos os meios, vai querer estrangular a vaca, vai dar socos na vaca e não vai conseguir matá-la. Talvez consiga aborrecê-la e acabe por levar uma chifrada. Fim da experiência científica. Conclusão: o ser humano não foi projectado para caçar. Além do mais, na natureza ele nem conseguiria se aproximar o suficiente para agarrar o bicho, pois também fomos privados da velocidade que o predador necessita.

Contestação da validade da experiência acima

O ser humano contrapõe que ele é um animal inteligente. Como tal, teve condições de fabricar ferramentas e, com elas, caçar. Já não é lá muito verdadeira essa afirmação, pois estamos a tentar provar que por natureza não fomos dotados dessas ferramentas, mas vamos aceitar a contestação e refutá-la com outra demonstração.


Impugnação da contestação

Desta feita, entregamos uma ferramenta de abate – uma faca – e solicitamos que o sujeito mate a vaca na nossa frente para provar que, com instrumentos, a experiência anterior ficaria invalidada. Mas, então, o que é que verificamos estupefactos? Noventa e nove por cento dos humanos não têm coragem de enfiar a faca na jugular do bovino! Seria prova suficiente de que não somos predadores naturais? Pelo sim, pelo não, vamos além. Agarro na faca da mão daquele espécime covarde. “Se tu não tens coragem, mato eu a vaca.” Introduzo a lâmina na garganta da destinada. O sangue jorra. E o ser humano... Onde está ele? Ah! Lá está, no canto, a vomitar!

Se fosse carnívoro, o simples cheiro do sangue ou a sua visão, já daria água na boca. Mas, se ele não é capaz de matar e ainda lhe embrulha o estômago se outro mata. Isso demonstra claramente que os nossos instintos são bem diferentes. Aquele reflexo de “pôr para fora” é exactamente o oposto da reacção de comer. Talvez não sejamos carnívoros. Quem sabe, somoscarniceiros?


CARNICEIRISMO

Há um sub-ramo denominado carniceirismo, ainda mais prejudicial que o carnivorismo. O carnívoro é o animal que mata a própria presa e a devora com o sangue ainda quente. O carniceiro é o animal que não tem capacidade ou coragem de matar a própria presa. Espera que outro a mate e devora-a mais tarde, com o sangue já frio.


Exemplos de carnívoros: leão, leopardo, onça, tigre, etc.

Exemplos de carniceiros: abutre, urubu, hiena, homem... É, parece que estamos em má companhia. Afinal, os seres humanos não matam a própria presa e devoram-na com o sangue já frio. Com uma diferença. Os abutres, os urubus e as hienas devoram as carnes em início de putrefacção, com algumas horas do animal morto. Os humanos comem as carnes com meses ou anos de armazenamento da carne nos frigoríficos. Quando ela é retirada para consumo está verde. Torna-se necessário, então, revitalizá-la com nitratos, nitritos e salitre, que devolvem a coloração avermelhada. Os dois primeiros são conhecidos cancerígenos. Já o salitre é célebre pelo seu uso em colégios internos, mosteiros e quartéis, pela sua capacidade de reduzir o estímulo sexual.

O grande problema com este tipo de alimentação, é que não fomos projectados para digerir carnes. Há diferenças estruturais intransponíveis entre o animal projectado para comer carne e o projectado para comer vegetais.

A doença da vaca louca, que espalhou o pânico na Europa no final do século XX, foi gerada pelos criadores de gado ao adoptar uma ração para bovinos feita com restos de carnes e ossos. Tais detritos impróprios para o consumo de herbívoros foram processados quimicamente para adquirir cheiro e gosto que os animais não rejeitassem.

O resultado foi uma doença degenerativa do sistema nervoso dos animais que, obviamente, contaminava os seres humanos.

Este é um grave inconveniente da ingestão de animais mortos. As doenças de animais são transmissíveis aos seres humanos. Isso também ocorreu com a pneumonia asiática, contraída pela ingestão de aves, a qual devastou aldeias inteiras na China e fez vítimas no mundo todo; depois, outra doença, a gripe do frango, espalhou-se pelo planeta matando por toda parte.

Quanto às mutações, há um documentário denominado Animals are beautiful people (traduzido como Os animais também são seres humanos) de Jamie Uys, África do Sul, que, apesar da sua linguagem despretensiosa, tem um relevante valor científico. Ele mostra uma espécie de cegonha que alterou a sua dieta, passando a ser carniceira, e sofreu uma horrenda mutação que a fez assemelhar-se a um abutre.

Por outro lado, um documentário da Discovery mostrou o caso oposto. Desta feita tratava-se de um certo tipo de abutre que trocou o sistema alimentar e deixou de comer carniças, passando a nutrir-se do fruto da palmeira. Também essa espécie sofreu uma mutação, só que para melhor. Deixou de ter a aparência de abutre e passou a contar com uma plumagem muito mais linda.

Todos estes precedentes fazem-nos questionar: nossa espécie deve ser muito feia. Desde que trocamos o frugivorismo pelo carniceirismo, certamente passamos por uma terrível mutação.

Por exemplo, somos um animal estranho, com uns poucos tufos de pêlo, aqui e ali, e o restante do corpo sem pêlos. Imagina se fosses adquirir um animal de estimação e te oferecessem um cão que não tivesse pêlos, a não ser um tufo entre as pernas, outros sob as axilas e um pouco na cabeça, sendo que esse não parasse mais de crescer? Devemos ser muito feios como espécie. Só não percebemos isso porque nascemos num meio ambiente em que todos os demais também eram horripilantes. Mas o nosso cãozinho deve perceber que há algo estranho com aquele dono que não tem uma linda pelagem no corpo. Se falasse, com certeza diria: “Como o meu dono é feio! Mas é tão bonzinho, dá-me comida, faz-me miminhos, fala comigo como um retardado mental...”

Temos um outro exemplo que nos sugere ter ocorrido alguma grave mutação na nossa espécie. Somos o único tipo de animal que mata qualquer coisa que se mova, pelo simples prazer de matar. A designação elegante que se dá a isso é caça. Caça à raposa, caça ao coelho, caça ao tigre, tiro ao pombo, ao pato, e por aí vai. Mas não matamos apenas na caça desportiva. Se um insecto se atrever a mover-se perto de nós, será impiedosamente esmagado. Crianças matam passarinhos instintivamente com as suas pedradas e fisgas. Nada pode ficar vivo nas proximidades de um homo “sapiens”.

O facto é que comer defuntos não é para pessoas sensíveis. Se pensarmos no que estamos a fazer, paramos imediatamente de devorar cadáveres de animais mortos. Urge que o nosso estômago deixa de ser um cemitério.


OMNIVORISMO

Omnivorismo é comer tudo (omni). A passagem do carnivorismo para o omnivorismo processou-se por observação de muitos clãs, de que os que inseriam vegetais na alimentação tinham mais vitalidade, viviam mais tempo possuíam pelos mais bonitos. Ninguém precisa ser cientista para perceber isso. Basta observar a sua descendência.

Passei por uma experiência interessante que me demonstrou como as pessoas da terra tem essa percepção. Em 1976 o prefeito da cidade de Santo António do Pinhal, no caminho para Campos do Jordão, doou-nos uma montanha. Ingénuos, aceitamos aquele elefante branco. Na época, não tínhamos verba nem para custear o combustível dos automóveis, quanto mais para construir o acesso e edificar nosso retiro!

Acabamos por perder a montanha. Mas ao chegar lá, cheios de ilusões, fomos conversar com um antigo morador, um senhor bem humilde. Ele teve a gentileza de recomendar que bebêssemos de uma determinada fonte e não de uma outra, pois a sua água não era boa.

Perguntei-lhe se havia mandado analisar a água. Ele disse-me que não precisava. Quando os seus filhos bebiam daquela, ficavam doentes.

Da mesma forma, e com aquela agilidade que nos caracteriza, em alguns milénios a maior parte da humanidade percebeu que a carne é um veneno para a nossa espécie e melhorou o sistema alimentar, acrescentando outros alimentos. Passou a comer de tudo.

Se, por um lado, isso constituía um aperfeiçoamento, já que os nossos antepassados passavam a ingerir menos carnes, esse sistema ainda não era ideal. A mistura de alimentos produz fermentação, a qual gera odor nauseabundo.

Experimenta colocar num saco plástico um pouco de tudo o que ingerires na próxima refeição. Acrescenta um cálice de ácido gástrico (se não tiveres, espreme um limão). Em seguida, coloque por meia hora num forno a 36 graus centígrados, a temperatura do teu corpo. Depois, abre e cheira.

Isso é o que está a acontecer lá dentro do teu tubo digestivo. Mas, para onde vai esse odor? Pensavas que ele se evaporava por obra e graça do Espírito Santo? Nada disso. Ele sai pelo hálito, pelos poros, pela transpiração, pelas axilas. Encara a realidade: n´so cheiramos mal! Os animais omnívoros cheiram mal. Compara: o cheiro do porco, o do bode. Ah! Esqueci-me: tu também comes porco.

Todos os animais identificam-se pelo cheiro. Dois animais encontram-se e cheiram-se, até para saber se são da mesma espécie. Se forem macho e fêmea conferem os cheiros a fim de ver se a química combina. No entanto, o ser humano não reconhece como da sua espécie o cheiro que exala.

Façamos um teste: Os Animais não tomam banho. Agarremos um sapiens e deixemo-lo sem banho por, digamos, um mês. Depois, ofereçamo-lo para trocar umas carícias com outro, de sexo oposto, da sua espécie. Como será que reagias se fosses escolhido para participar dessa experiência, fosse como o sem-banho, fosse como o que depois teria de olfactá-lo?

Isso explica porque o ser humano não apenas toma banho com muita frequência (em alguns países, todos os dias!) mas também esfrega, todas as vezes, soda cáustica no corpo. Sim, pois esse é um dos componentes dos sabonetes. Não satisfeito com o banho e a esfregadura com o bastão de soda cáustica, este pobre mamífero ainda tem o cuidado de passar sob os braços e nos pés uma substância que tem a função de inibir odores, um tal de desodorizante.

Mas isso não basta. É preciso mascarar algum cheiro que, apesar de todos esses cuidados, possa aparecer. Então, o desnaturado animal acrescenta no seu corpo perfumes de outras espécies de animais (boi almiscarado, âmbar do cachalote, civete do gato selvagem) ou de árvores (sândalo, cipreste) ou de erva (vetivert) ou de flores (rosa, jasmim, etc.). Qualquer coisa serve, desde que não seja denunciado o cheiro que ninguém identifica como sendo da nossa espécie.

Foi o cheiro do homem branco que salvou os índios da extinção e levou-os a sustentar uma guerra de 500 anos. Pensa bem. Como é que silvícolas nus, que não conheciam o aço nem a pólvora, puderam sobreviver e lutar durante séculos com os conquistadores que tinham à sua disposição equipamento militar e a arte da guerra? Vou te dizer como foi que os aborígines sobreviveram. Quando passas uns dias na quinta ou acampado no meio do mato e, depois, voltas para a cidade o teu olfacto fica bem mais sensível e costuma-se incomodar muito com os maus odores. Tu és um urbanóide e passas-te apenas alguns dias no campo ou na serra, mas já ficas-te mais sensível. Agora, imagina um indígena que nasceu e viveu na floresta toda a sua vida. Ele consegue sentir o cheiro de cada flor, árvore, insecto, animal ou réptil a uma boa distância. Pois bem. Como será que cheiravam os conquistadores portugueses e espanhóis dos séculos XVI e XVII, que comiam todas aquelas porcarias, bebiam vinho e suavam como uns suínos, a caminhar durante dias e meses no calor tropical, na floresta húmida, sob aquelas roupas, armaduras e botas de bandeirante? Uma curiosidade: quando iam defecar no mato, dispunham de papel higiénico? Acrescente-se que não se usava tomar banho. Era pecado. Acredita se quiseres, até o século XX, aqui mesmo no Novo Mundo, em escolas religiosas as alunas internas eram obrigadas a tomar banho de camisola, para atenuar a iniquidade.

Concluindo esta longa exposição: quando o colonizador ainda estava a quilómetros de distância os índios, com o seu olfacto hiper-sensível, percebiam a sua aproximação.

O ameríndio sentia um cheirinho putribundo no ar e perguntava para ao outro:

– Curumim, foste tu?

E o curumim respondia:

– Eu, não.

Então, era homem branco que estava a algumas léguas, vindo na direcção do vento.

Mandavam as mulheres fugir com as crianças e armavam ciladas, muito bem escondidos numa floresta que conheciam como a palma das suas mãos. Era guerra de guerrilha. Emboscavam e fugiam. Foi assim que, graças ao fedor do homem branco, os selvagens salvaram-se e conseguiram sustentar uma guerra de cinco séculos, usando arco e flecha contra aço e pólvora. Pode-se dizer que venceram, pois sobreviveram.

Conclusão: o Omnivorismo não é ideal.


CEREALISMO

Migrando por melhores campos de caça, o ser humano acabou por se espalhar por todo o globo, inclusive colonizando territórios agrestes e insalubres como a Europa, em que a variação de temperatura só deixou vivos os mais fortes. Em várias cidades europeias, no verão a temperatura pode ultrapassar os 30o C e no inverno neva. Sob a neve, era difícil conseguir alimentos. A melhor solução era armazenar para o inverno, e o alimento ideal para ser armazenado é o cereal. Em determinadas regiões implantou-se um novo sistema alimentar, o cerealismo.

O cerealismo por si só, como sistema nutricional definitivo, não é muito atraente. Mas ainda iria piorar muito com um modismo que assolou o mundo a partir de 1960.

No Século XX um japonês, a viver em Paris, codificou um novo sistema surrealista, digo, cerealista, radical, nipocêntrico. Era a macrobiótica. Alguns dos seus princípios eram:

• Não beber água, jamais. Chá, só quente, sem açúcar, e apenas umas ou duas xícaras por dia.

• Frutas estavam proibidas. Eram “muito yin”.

• Batata era considerada um veneno. Quem comesse morreria.

• Em compensação deveríamos adoptar shoyu, missô, tofú, algas marinhas e arroz na tigelinha. Ou seja, o mundo deveria converter-se aos gostos culinários japoneses.

• Praticamente tudo o que fosse ingerido deveria ser cozido, com excepção de um tempero verde, usado com parcimónia.

• Qualquer coisa doce, mesmo o mel, era interditada, mas abusava-se do sal. Tudo era salgado: o gersal (tempero à base de gergelim moído com sal), shoyu (molho de soja salgado), missô (pasta de soja salgada). Até no chá recomendava-se dissolver uma ameixa umeboshi salgada. Isso associado à restrição quase total de água, comprometia seriamente os rins.

• O prato era constituído por arroz integral cozido com pouquíssima água, o que o tornava duro (quanto mais duro, melhor, ficava “mais yang”). Sobre o arroz, colocava-se um pouco de gersal e de tempero verde. Acompanhava um outro prato denominado secundário, constituído por legumes cozidos com shoyu, o que os deixava castanhos. Mesmo assim, eram uma delícia se comparados com o arroz. Mas não permitiam que se comesse demais o secundário, pois havia uma proporção rígida que devia ser obedecida à risca. Se pusesses um pouco mais de gersal ou se usasse shoyu no arroz eras repreendido publicamente pelo dono do restaurante. Conversar durante as refeições estava proibido. Isso não acontecia num ou outro, mas em todos os estabelecimentos. Nos restaurantes de algumas associações macrobióticas, enquanto as pessoas comiam, o presidente da entidade ficava a dar instruções de mastigação e de combinação de alimentos pelo alto-falante, bem como a descrever algumas doenças (imagina, comeres a ouvir falar de doenças!).

• A macrobiótica compreende sete graus de radicalização: os regimes 1, 2, 3, etc., até ao 7. Mais tarde, como muita gente não conseguia cumprir nem o regime 1, foram acrescentados os regimes menos um, menos dois e menos três, caso contrário os restaurantes, as lojas e as indústrias que viviam desse comércio não sobreviveriam. O regime menos três é, praticamente, a alimentação comum. No entanto, segundo Oshawa, macrobiótica é o regime 7. Os demais são apenas estágios de adaptação para atingir a macrobiótica. O regime sete é 100% cereais. Esses cereais podem ser arroz, trigo, cevada, centeio, etc.

Felizmente, isso foi no passado... Hoje, o que as pessoas conhecem é algo totalmente diferente daquilo que Sakurazawa Nyoiti denominou tyori-dô, ou macrobiótica. Creio que as mudanças deveram-se ao facto de que a macrobiótica não gerou nenhum macróbio e todos morreram relativamente cedo ou abandonaram o regime, que era uma tortura.

Bem, estamos a falar da macrobiótica verdadeira, aquela que era praticada quando o seu codificador estava vivo e nos primeiros anos após a sua morte. Tornou-se moda e transformou-se numa praga na década de 70. Mais ou menos a partir da década de 80 do século XX observou-se um desnaturamento daqueles princípios que foram considerados, por uns, muito difíceis de se seguir; por outros, incorrectos. O facto é que hoje o que se conhece como macrobiótica é algo bem mais palatável que se aproxima um pouco do vegetarianismo.


VEGETARIANISMO

Boa parte da humanidade descobriu que comer carnes não era saudável e eliminou-as da sua mesa. Hoje contam-se em cerca de DOIS BILHÕES DE VEGETARIANOS NO MUNDO. Mais de um bilhão é constituído pelos hindus. Além deles, contabilizamos os adventistas, os praticantes sinceros de Yôga do mundo todo, e os simplesmente vegetarianos das diversas vertentes.

Quando falamos em vegetarianismo poderemos estar a englobar os vegetarianos (lacto-ovo-vegetarianos), os vegetalianos (lacto-vegetarianos) e os vegetaristas (vegetarianos puros ou vegans). Esta é uma das nomenclaturas usadas. Contudo, não há consenso. Na Índia, por exemplo, vegetarianos são os lacto-vegetarianos.

Afinal, essas três vertentes são primas entre si. O princípio básico é não ingerir carnes de nenhuma natureza e de nenhuma cor. Isso de intitular-se vegetariano só por não comer carne vermelha, mas ingerir carne branca, é hipocrisia.

Quando alguém declarar que é vegetariano, mas come carne de peixe, diga-lhe que não é vegetariano. Isso tem outro nome. Como é mesmo? Começa com um radical grego. Macrós... Não. Hipós... Isso! Hipo, hipo... hipócrita!

As diferenças entre as três correntes acima são as seguintes:

• Vegetarianismo aceita ovos e lacticínios, além de 15.000 variedades de legumes, cereais, raízes, hortaliças, frutas, castanhas, massas, etc.

• Vegetalianismo não aceita os ovos. No restante, não há diferença.

• Vegetarismo não aceita os ovos nem os lacticínios. Só vegetais.

Será que pode haver algo ainda mais radical do que o vegetarismo? Sim, o Naturismo.


NATURISMO

O naturismo ou crudivorismo propõe comer os alimentos assim como a natureza os produz, ou seja, não desnaturar a comida antes de ingeri-la. A pior forma de desnaturamento é pelo cozimento. Ao cozinhar, destruímos as vitaminas, os sais minerais são decantados e o prana se evola. O alimento fica sem vitalidade.

A quantidade de nutrientes que se encontram numa folha de alface crua, só seria obtida com mil folhas de alface cozidas. O resultado de uma tal alimentação seria um gasto superlativo de energia para mastigar, insalivar, digerir, assimilar, eliminar e, em troca, obter uma quantidade mínima de nutrição. Uma enorme quantidade de alimento teria que ser processada pelo organismo. Conclusão: obesidade.

Mas, seria possível comer legumes ou cereais crus? Sem dúvida. Já não degustas-te de um couvert de cenouras cruas no teu restaurante predilecto? Já não te delicias-te com o tabule, salada de trigo cru, no teu restaurante árabe? No entanto, ao comer coisas cruas, lembra-te de lavá-las muito bem e deixá-las de molho numa salmoura com limão. Depois retira o sal e tempera a gosto.

Os naturistas estão com a razão: os alimentos crus são mais nutritivos e contêm mais vitalidade. Porém, depois de tantos milénios a cozinhar os nossos alimentos, sentimos falta do cozimento e esse regime pode nos deixar deficientes, não no aspecto estritamente nutricional, mas no emocional. Um dia vais sentir a falta da comida quente. É que a comidinha quente tem para nós o simbolismo do carinho e aconchego da mamã trazendo-nos a refeição. Quando sentires essa carência, faz um prato cru, mas quente.


FRUGIVORISMO

No frugivorismo, além de se comer tudo cru, sem desnaturar os alimentos, excluem-se todos os legumes, cereais, hortaliças, raízes, castanhas, tudo enfim que não seja fruta. Também não se acrescenta sal nem açúcar!

Com isso, fechamos o círculo e voltamos às origens. Frutas são o alimento natural do ser humano. A melhor demonstração disso é a seguinte experiência: coloca na mesa uma variedade de carnes, peixes, aves, moluscos, legumes, raízes, verduras, ovos – tudo cru. Pede aos presentes que escolham apenas um desses produtos e o coma cru, sem acrescentar nenhum tempero. Provavelmente, a totalidade das pessoas postas à prova rejeitarão com nojo todos esses ingredientes.

Em seguida, à mesma mesa, juntamente com as carnes, peixes, aves, moluscos, legumes, raízes, verduras e ovos, acrescenta uma selecção de frutas e repete a solicitação. Todos, sem excepção, escolherão alguma fruta. Isso prova o quê? Prova que o único alimento que em estado natural ingerimos com satisfação são as frutas. Logo, essa é a alimentação para a qual fomos projectados.

Instintivamente, quando alguém está doente, levamo-lhe algumas frutas. Sabemos, inconscientemente, que as frutas têm poder curativo por não estar a agredir a nossa natureza.

Seria possível viver só com frutas? Mesmo a trabalhar muito e praticar desporto? Claro que sim. Afinal os macacos não fazem exercícios? Por outro lado, devo advertir para o facto de que a transição de uma alimentação comum para o frugivorismo deve ser extremamente gradual e a maior parte das pessoas precisará de muita disciplina na gradação meticulosa. Calculo que do vegetarianismo para o frugivorismo, um tempo prudente de transição gradativa seria de 5 anos.

Do Omnivorismo com carnes para o frugivorismo, nunca menos de 10 anos de progressão. Ainda assim, se notares que estás a perder massa muscular ou que estás a ficar fraco, feio, mirrado, deprimido, interrompe a experiência. Qualquer tentativa de seguir regimes mais radicais deve ser acompanhada por hemogramas e lipidogramas completos periódicos, e avaliação de um médico inteligente.


E disse Deus ainda: Eis que vos tenho dado todas as ervas que dão semente e se acham na superfície de toda a terra, e todas as árvores em que há fruto que dê semente; isso vos será para mantimento. Gênesis, cap. I, vers. 29

Autor: Mestre DeRose
"Chamamos veneno ao que nos mata rapidamente; e alimento, ao que nos mata a longo prazo." Mestre DeRose

1 comment:

Dom Velazco said...

uauu!! mto bom o texto inteiro!